Desde os primeiros passos no curso de direito, o estudante é levado a enxergar três opções de carreira: concurso público, academia ou magistério, e, não menos importante, a advocacia. Por muito tempo, o estudante vivia com o fantasma de insucesso, caso não evoluísse em alguma das frentes indicadas.

A evolução tecnológica vivenciada nos últimos anos, acelerada pela pandemia do COVID-19[1], escancarou de vez a defasagem do Poder Judiciário no tocante à necessidade de recorrer a um ramo do direito pouco (ou quase nunca) explorado na graduação: a Negociação.

Na verdade, a Negociação não é novidade alguma. A Negociação pode ser definida como mecanismo clássico de solução de conflitos, com vistas à obtenção da autocomposição[2], cujo meio, aliás, é considerado um dos mais antigos de resolução de conflitos. Até porque, como dita o autor Guilherme Moller, “se as próprias partes não puderem ditar o melhor caminho a ser tomado para a vida delas, quem dirá o Estado”[3].

Por diversas vezes, ações são ajuizadas sem se ter uma prévia leitura da real situação ou, melhor dizendo, quais são as dores suportadas pelo cliente. Pode parecer simples, mas não há como buscar uma solução – e essa tentativa de solução é sugerida pelo advogado por meio do seu pedido na demanda – sem saber quais são os verdadeiros problemas e interesses envolvidos. É por isso que, não raras vezes, as audiências de conciliações não trazem efetividade que se espera.

Por esta razão que a negociação, que nada mais é do que um processo de comunicação que, quando adequadamente aplicado, promove a ampliação da interação social e traz efetivo benefício para ambas as partes.

O grande desafio está na aplicação da negociação nos processos judiciais. A título de exemplificação, no ano de 2021, o CNJ[4] apontou que 9,9% das sentenças são homologatórias de acordo, percentual que reduziu nos últimos anos, após o crescimento registrado em 2016. Em 2020, as sentenças homologatórias, em fase de execução, corresponderam a 4,7%; na fase de conhecimento, o percentual ficou em 15,8%. O cenário se complica ainda mais no momento em que a pesquisa demonstra que mais de 84% das demandas permanecem sem perspectiva de resolução amigável. Um dos motivos pelo baixo índice pode ser atribuído pela dificuldade de as partes envolvidas separarem as pessoas do problema e discutir o impasse por meio da comunicação objetiva que visa um consenso que seja benéfico a todos.

Sobre a pesquisa citada acima, o Conjur[5] publicou matéria na qual informa que os “problemas relacionados à efetivação do direito garantido por decisão judicial representam o grande gargalo da Justiça e explicam a sensação de lentidão dos tribunais.”, o que também poderia ser minimizado se as partes recorressem ao método da negociação.

É importante ressaltar que não se pode atribuir culpa à judicialização em si, mas sim quando é feita de forma desnecessária.  Ora, se o objetivo central do Direito como um todo é a promoção da harmonia e regulação do convívio humano em sociedade, é de se indagar como é possível alcançar esse resultado com uma desenfreada judicialização de demandas sem foco no real problema existente entre as partes.

A Negociação, meio essencial para resolução de conflitos, “pode gerar resultados ainda mais satisfatórios às partes do que uma decisão judicial”[6], quando devidamente aplicada, pois “as partes que negociam são as mesmas que definem os efeitos dos seus próprios conflitos. ” e, por conseguinte, auxiliam de forma construtiva em impasses que podem ser, tanto na esfera interpessoal, quanto casos complexos que envolvem direito internacional, por exemplo.

A Negociação leva em consideração alguns passos essenciais, conforme aponta Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton, cofundadores do Projeto de Negociação de Harvard[7]: 1- separar as pessoas do problema; 2- concentrar nos interesses e elaborar uma lista deles, não nas posições nas quais as partes litigantes se encontram; 3- criar opções (várias) com possibilidade de ganhos mútuos; 4- insistir em usar critérios objetivos para resolução do conflito.

Neste contexto, a figura do negociador ganha grande relevância. O objetivo central do Negociador é identificar os interesses comuns e os singulares e, principalmente, facilitar a tomada de decisão. Ou seja, o Negociador pode ser um terceiro intermediador ou até mesmo um auxiliar de alguma das partes que enxergue a importância de solucionar o conflito existente. Para isso, é essencial que a comunicação seja feita de forma bastante clara, sem deixar qualquer resquício de dúvida sobre os interesses que estão sendo discutidos e sopesados, além de que os critérios objetivos estabelecidos devem ter por natureza a imparcialidade intrínseca.

O método de Negociação de Harvard elucida que o melhor momento para lidar com os problemas de nível pessoal e interpessoal é antes de o problema efetivamente estar concretizado[8]. Todavia, caso esse timing do conflito latente já tenha decorrido, a atuação do negociador também pode e deve ser direcionada à esfera judicial, se for o caso, visto que um acordo pode ser feito em qualquer momento processual.

A postura (e atividade) do Negociador Técnico, seja na esfera pré-processual ou processual, se equipara a atuação do magistrado, qual está na posição de avaliar a situação litigiosa pelo crivo da lei, da jurisprudência e da razoabilidade[9], e objetiva alcançar um denominador comum pautado na justiça sem usar da arbitrariedade, com o único objetivo de resolver o problema.

Desta feita, para que haja eficácia na atuação do Negociador durante todo o processo de Negociação Técnica, seja no momento extrajudicial ou judicial, é essencial que as pessoas envolvidas tenham a mente aberta para as várias possibilidades de acordo que surgirem, e dispostas a serem persuadidas por fatos e princípios objetivos. Essa postura fará com que as partes identifiquem no acordo firmado que conseguiram a mesma oportunidade de obter aquilo que queriam ao início do conflito, com uma solução sensata e justa.

Além disso, é preciso ter em mente que a Negociação Técnica pode, ao seu final, não ser bem-sucedida, pois não é certo que as partes saberão negociar distanciando-se do problema, ou até mesmo que estarão abertas à negociação. E, para esse cenário, é muito importante saber que não se deve ceder à pressão, que por muitas vezes é demonstrada por meio de ameaças, suborno, do apelo à emoção, da manipulação da confiança ou da simples recusa de mudar de opinião[10].

Por isso ter os princípios objetivos como pilar da Negociação Técnica é essencial, visto que serão o Norte para auxiliar o negociador a não ceder caso uma das partes estabeleça pressão como estratégia. Isso por que quando os elementos pressionantes são mostrados no decurso da Negociação Técnica, é o momento em que a parte a ser pressionada precisa fazer uma escolha: verificar se ficou para trás algum critério objetivo que justifique a oferta feita pela outra parte e decidir se é melhor compor um acordo com base nesse novo critério, ou não fazer acordo algum, devendo ser sopesada a situação e se será conveniente ceder à uma posição arbitrariamente imposta.

Assim, conclui-se que a Negociação Técnica é um ramo essencial do direito visto que seu objetivo está aliando ao objetivo central do Direito, de modo que cada vez mais vêm sendo estudada e aplicada, pois atinge resultados significativos e visa efetivamente resolver o conflito da melhor forma possível para as partes envolvidas, ponderando somente os interesses e os critérios objetivos dos litigantes.

Além disso, a Negociação Técnica gera impactos positivos na sociedade como um todo, visto que tem o potencial de promover a redução da litigância judicial desnecessária. Para que isso ocorra de fato, a Negociação Técnica precisa ser realizada com base em dois principais objetivos: Proteger o Negociador de aceitar um acordo que deveria rejeitar e ajudar as partes a aproveitarem ao máximo os ativos que possuem para que o acordo satisfaça ambos interesses da melhor maneira possível[11]. Entretanto, ter o foco nesses dois alicerces não basta. É necessariamente importante que o Negociador acredite no que está sendo dito e feito, e não meça esforços para se adaptar e aplicar a Negociação Técnica em uma metodologia que faça sentido para seu formato de atuação e para a situação a qual a negociação será aplicada.

E principalmente, quanto mais concreta e realista a Negociação Técnica for, mais persuasiva ela se faz, pois a Negociação Técnica deve ser feita de maneira respeitosa, preservando o relacionamento existente com os litigantes, e também firme ao destacar a legitimidade do que está sendo proposto, pois os interesses das partes devem ser levados em consideração. Mais importante do que litigar, seja na esfera extrajudicial ou judicial, é resolver o conflito existente no melhor formato possível entre as partes, sem perdedores, tendo por finalidade a satisfação do interesse mútuo.


[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Presidente Ministro Luiz Fux. JUSTIÇA EM NÚMEROS 2021 [p. 15.]. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2022

[2]https://jus.com.br/artigos/82145/superacao-de-conflitos-autotutela-autocomposicao-e-heterocomposicao

[3]https://alinepamelaconradodeoliveira.jusbrasil.com.br/artigos/611942207/a-autocomposicao-da-lide-face-ao-novo-cpc#:~:text=A%20autocomposi%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20um%20instituto,que%20existe%20desde%20os%20prim%C3%B3rdios.

[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Presidente Ministro Luiz Fux. JUSTIÇA EM NÚMEROS 2021 [p. 192.]. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2022

[5] https://www.conjur.com.br/2021-nov-05/semana-nacional-conciliacao-41-mil-audiencias-agendadas – acesso em 25 de junho de 2022

[6] https://jus.com.br/artigos/63601/acesso-a-justica – acesso em 25 de junho de 2022

[7] FISHER, Roger; URY, William ; PATTON, Bruce – Como chegar ao Sim – Negociação de Acordos Sem Concessões . Projeto de Negociação da “Harvard Law School” ; tradução Rachel Agavino. Ed. Ver e atual. –Rio de Janeiro: Sextante, 2018.

[8] FISHER, Roger; URY, William ; PATTON, Bruce – Como chegar ao Sim – Negociação de Acordos Sem Concessões . Projeto de Negociação da “Harvard Law School” ; tradução Rachel Agavino. Ed. Ver e atual. –Rio de Janeiro: Sextante, 2018, p. 60.

[9] FISHER, Roger; URY, William ; PATTON, Bruce – Como chegar ao Sim – Negociação de Acordos Sem Concessões . Projeto de Negociação da “Harvard Law School” ; tradução Rachel Agavino. Ed. Ver e atual. –Rio de Janeiro: Sextante, 2018, p. 51.

[10]  FISHER, Roger; URY, William ; PATTON, Bruce – Como chegar ao Sim – Negociação de Acordos Sem Concessões . Projeto de Negociação da “Harvard Law School” ; tradução Rachel Agavino. Ed. Ver e atual. –Rio de Janeiro: Sextante, 2018, p. 115.

[11] FISHER, Roger; URY, William ; PATTON, Bruce – Como chegar ao Sim – Negociação de Acordos Sem Concessões . Projeto de Negociação da “Harvard Law School” ; tradução Rachel Agavino. Ed. Ver e atual. –Rio de Janeiro: Sextante, 2018, p. 121.

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