Paulo Marajá[1]

Em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da Ação Direta de Constitucionalidade n.º 49 (ADC 49), confirmando entendimento doutrinário e jurisprudencial, declarando a inconstitucionalidade da exigência do ICMS nas simples transferências de bens entre filiais, sejam internas ou interestaduais.

Diante da mencionada decisão, o Estado do Rio Grande do Norte, autor da ADC 49, não satisfeito com a prestação jurisdicional, opôs Embargos de Declaração requerendo a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

O STF, por maioria, acolheu os Embargos opostos para modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.  

Exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito do contribuinte de aproveitar estes créditos.

A decisão dos Embargos reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, porém, sem redução de texto, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.

Na modulação de efeitos, o STF protegeu uma gama de contribuintes deixando desamparados aqueles que tão somente confiaram na orientação disposta no julgamento de mérito da ADC 49, optando por não destacar o ICMS sobre suas operações de transferência e não possuíam medida judicial ajuizada antes de abril de 2021.

A partir da decisão, os desamparados estão agora, em razão da modulação de efeitos, sujeitos à cobrança do imposto, acrescida de multas e juros moratórios.

Nos últimos anos, multiplicaram-se os casos de modulação dos efeitos temporais, negando-se eficácia ex tunc à decisão declaratória de inconstitucionalidade.

Entretanto, essa modulação não deveria permitir que uma norma inválida continuasse a produzir efeitos válidos pro futuro; melhor dizendo, não deveria ser permitida a utilização de normas declaradas inconstitucionais para caracterização de novos fatos geradores.

Na prática, ao seguir o entendimento até agora propalado pelos Estados, o contribuinte que não possui medida judicial ajuizada antes de abril de 2021, quando realizar transferência de mercadoria para as suas filiais (mero deslocamento físico), poderá ser autuado até o término do exercício financeiro de 2023, inclusive sendo-lhe aplicadas multas.

A obrigação do contribuinte de pagar de acordo com a lei compreende a obrigação do Estado de cobrar também de acordo com a lei. Entretanto, a lei a ser aplicada deve estar em harmonia com a ordenação específica do Direito Tributário, devendo a Autoridade Coatora interpretar a norma tributária conforme a Constituição.

Ainda nos resta esperança, vez que o acordão do julgamento dos Embargos de Declaração nos autos da ADC 49 ainda não foi publicado, havendo a possibilidade de ser inserida alguma restrição quanto à utilização da legislação.

Neste contexto, é importante frisar que a modulação de efeitos da mencionada decisão ainda está em discussão no STF, o que pode gerar controvérsias e modificações futuras no entendimento sobre o assunto.

As possíveis consequências inerentes ao julgamento da ADC 49 possui enorme relevância mercadológica, uma vez que é de extrema necessidade a observância e respeito ao princípio constitucional da segurança jurídica e seus derivados.

O aumento do grau de segurança e previsibilidade jurídicas leva à diminuição dos custos de uma transação, servindo o Direito para aclarar o marco legal e, consequentemente, diminuindo o risco a ser suportado pelos agentes econômicos em suas transações.

O crescimento econômico deve ser visto e utilizado como meio de garantia dos direitos sociais, notadamente, educação, saúde e segurança. O bom funcionamento da economia possibilita transformar a vida das pessoas, proporcionando maior distribuição de renda e coesão social.


[1] Paulo Marajá é advogado tributarista. Especializado em direito tributário pela Universidade Cândido Mendes e Fundação Getúlio Vargas. É mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Professor de Direito Tributário e Direito Empresarial.

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